quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

Liminar sobre demarcação de área de marinha será decidida por voto do ministro Luiz Fux

Liminar formulada na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4262, em que se discutem as regras de citação dos interessados na demarcação de terrenos de marinha, deverá ser decidido pelo voto do novo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Luiz Fux. Sua indicação pela Presidência da República para ocupar vaga na Suprema Corte foi aprovada, ontem (9), pelo Senado Federal. O ministro Luiz Fux será o sucessor do ministro ministro Eros Grau, que se aposentou no ano passado.

A decisão foi tomada, nesta quinta-feira (10), pelo Plenário do STF, quando quatro ministros se haviam pronunciado contra e cinco, a favor da concessão da medida cautelar, pleiteada na ADI pela Assembleia Legislativa do estado de Pernambuco (AL-PE) com o propósito de obter a suspensão imediata da vigência do artigo 11 do Decreto-lei 9.760/1946, na nova redação que lhe foi dada pelo artigo 5º da Lei 11.418/2007. O ministro Dias Toffoli não participou da votação porque se declarou impedido.

A votação foi suspensa em virtude da regra do artigo 10 da Lei 9.868/1999 (que dispõe sobre o julgamento das ADIs), que só admite a concessão de medida cautelar em tais ações com o voto da maioria absoluta dos integrantes a Suprema Corte, ou seja, seis dos seus onze ministros.

O caso
A nova redação dada pela Lei 11.418/07 ao artigo 11 do Decreto-lei 9.760/46 suprimiu o convite pessoal aos interessados certos (conhecidos) nos procedimentos de demarcação de terrenos de marinha, autorizando o Serviço de Patrimônio da União (SPU) a fazer a notificação apenas por edital, tanto para os interessados certos quanto para os incertos (desconhecidos). Uma vez notificados, eles poderão, no prazo de 60 dias, oferecer para estudo documentos e outros esclarecimentos concernentes aos terrenos compreendidos no trecho a ser demarcado.

O relator da ADI, ministro Ricardo Lewandowski, com base em pareceres da Advocacia Geral da União (AGU) e da Procuradoria-Geral da República (PGR) pela negativa da  liminar, votou pelo não acolhimento do pedido da AL-PE. O principal argumento dos defensores da nova redação dada ao dispositivo é que o Brasil tem 6.700 quilômetros de litoral e que 70% de sua população vivem em áreas litorâneas. Assim, seria impossível expedir convite pessoal a todos os ocupantes conhecidos de área de marinha ou adjacente. Até mesmo porque a linha de preamar (posição do mar em maré alta), envolvida na demarcação, pode deslocar-se ao longo dos anos, incluindo e excluindo espaços na área de marinha.

O ministro relator endossou, também, o argumento da PGR e da AGU de que o artigo 11 trata da fase preliminar da demarcação, pois os artigos 13 e 14 da mesma lei dariam aos interessados o direito ao contraditório, à ampla defesa e ao devido processo legal para defender seus interesses, em uma fase posterior, fato este contestado pela AL-PE.  Segundo ele, não se trata ainda, na fase abrangida pelo artigo 11, “de chamamento para exercer o direito do contraditório e da ampla defesa”. Por isso, ele considerou “adequada e legítima” a intimação de todos os interessados por edital.

Segundo o ministro Ricardo Lewandowski, o exercício do direito constitucional do contraditório e da ampla defesa se daria na segunda fase do processo demarcatório, ou seja, após a determinação da linha do preamar. Uma vez determinada essa linha, cabe ao Serviço de Patrimônio da União (SPU), de acordo com a Lei  9.760/1946, dar ciência aos interessados, no prazo de dez dias, para eventuais impugnações. E o prazo para interposição de recurso junto ao SPU é de 20 dias.

Divergência
O ministro Ayres Britto abriu a divergência, ao votar pela concessão da liminar. Segundo ele, trata-se de uma “remarcação”, e não de mera “demarcação” de área de marinha. E este fato, no entendimento dele, implica a necessidade de chamamento dos interessados certos, que são conhecidos porque têm seu nome inscrito no Patrimônio da União. Isto porque pagam laudêmio (prêmio pela ocupação) e, no caso de transação, 5% de taxa sobre o valor de transferência da propriedade.

Segundo o ministro, o conceito de “terreno de marinha” é hoje um instituto obsoleto e carente de reformulação. Ele observou que, “hoje, é difícil dizer o que é terreno de marinha, principalmente nas grandes cidades litorâneas, onde (esse conceito) retarda transações e encarece os imóveis”. 

Por essas razões, ele defendeu o chamamento, por convite pessoal, dos interessados certos, isto é, daqueles com seus nomes inscritos no Patrimônio da União, admitindo a intimação dos incertos por edital, como já estava previsto, também, na lei de 1946.
Seu voto foi acompanhado pelo presidente da Corte, ministro Cezar Peluso, e pelos ministros Gilmar Mendes, Celso de Mello e  Marco Aurélio. Eles chamaram atenção para o fato de muitas áreas de marinha serem ocupadas por pescadores, a maioria deles sem escolaridade, ou pessoas simples que não acompanham a publicação de editais e não teriam, portanto, condições de serem informados sobre o processo de demarcação. O ministro Gilmar Mendes disse entender, ainda, que a primeira fase do processo já leva à arrecadação dos imóveis situados em área de marinha, tornando necessária a notificação pessoal dos seus ocupantes.
Voto vencido juntamente com o relator e os ministros Joaquim Barbosa e Cármen Lúcia Antunes Rocha, a ministra Ellen Gracie ponderou que seria preciso um século para notificar todos  os ocupantes conhecidos de área de marinha ou adjacências, em todo o Brasil. Por isso, ela se posicionou a favor da possibilidade de intimação dos interessados apenas por edital, sejam eles certos ou incertos. O ministro Gilmar Mendes, entretanto, defendeu a busca de alternativas para possibilitar a citação pessoal, propondo, entre os meios para fazê-lo, a notificação pela internet.

Ao acompanhar a divergência, o ministro Celso de Mello disse que, até nas ações de usucapião é obrigatória a intimação pessoal dos interessados certos, enquanto é admitida a citação dos incertos por edital. Segundo ele, a demarcação de terrenos de marinha envolve o próprio direito de propriedade. Ele observou que até o conceito de linha de preamar é discutível.

Ao votar na mesma linha, o ministro Cezar Peluso observou que, em mais de 90% dos casos, a remarcação de área de marinha envolve propriedades privadas, conhecidas do SPU. “Tanto os há que a lei anterior já previa (a intimação pessoal)”, afirmou. “ E um eventual erro na linha de demarcação pode representar invasão de propriedade privada”.

Também segundo o ministro Cezar Peluso, o artigo 11 já visa à demarcação. Assim, o chamamento destina-se a evitar erro e sacrifício da propriedade privada, sem direito do conhecimento prévio. Além do que, segundo ele, os artigos 13 e 14, que tratam da fase posterior, também preveem o chamamento apenas por edital. “Como alguém que não foi chamado, a não ser ficticiamente (por edital), pode recorrer?”, questionou ele.

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