Após cinco meses de indefinição, o STF (Supremo Tribunal Federal) decidiu nesta quarta-feira (23), por seis votos a cinco, que a Lei da Ficha Limpa não valeu na eleição do ano passado.
O voto mais esperado era o do ministro Luiz Fux, que chegou à Corte no início do mês, após a aposentadoria de Eros Grau, e teria o papel de desempatar a discussão. Em 2010, ao analisar dois recursos contra a lei, o placar da votação no Supremo foi de cinco a cinco. Em seu voto, Fux elogiou a intenção da lei, mas se posicionou contra sua aplicação imediata.
- A lei é um dos mais belos espetáculos democráticos já vistos, posto como iniciativa popular. Dos candidatos, espera-se moralidade no pensar e no atuar.
Logo após defender o teor da lei, o ministro justificou que a Constituição Federal está acima de qualquer outra norma.
- O melhor dos direitos não pode ser aplicado contra a Constituição. A Lei da Ficha Limpa é a lei do futuro. É uma aspiração legítima da nação brasileira, mas não pode ser um desejo saciado no presente porque isso fere a Constituição.
A base dos votos de Fux e dos ministros Gilmar Mendes - relator do caso - Antonio Dias Toffoli, Marco Aurélio de Mello, Celso de Melo e do presidente da Corte, Cezar Peluso, é a de que a Ficha Limpa afronta o artigo 16 da Constituição. Segundo o artigo, qualquer alteração no processo eleitoral precisa ser feita pelo menos um ano antes.
Este, porém, não é o caso da Ficha Limpa, que foi aprovada em maio de 2010 para as eleições que ocorreram em outubro do mesmo ano.
Peluso destacou que este ponto, que pode parecer meramente técnico e jurídico, tem dimensões maiores a partir do momento em que pode abrir brechas para outras leis.
- Um tribunal que afronta a Constituição desta forma não pode ter a confiança da população. Nem as ditaduras ousaram em fazer isso. Quando elas queriam excluir algum cidadão ou político, eles cassavam. Nunca foi editada uma lei para excluir cidadãos que valia antes de sua publicação.
Os ministros Ricardo Lewandowski, Joaquim Barbosa, Carmen Lúcia, Ellen Gracie e Carlos Ayres Britto preferiram repetir os votos dados em julgamentos anteriores, pela aplicação imediata da lei. O argumento utilizado pelo grupo foi o de que a Ficha Limpa não alteraria o processo eleitoral, sendo possível a sua aplicação no mesmo ano das eleições.
Ayres Birtto foi o mais enfático na defesa de que os candidatos com ficha-suja têm de ser barrados pelo Judiciário. Para o ministro, antes de qualquer lei, a Constituição prega que os políticos devem pautar suas atividades pelo princípios da moralidade.
- A proteção dos direitos individuais tem, por muitas vezes, levado ao prejuízo dos direitos coletivos. A probidade administrativa é um dever do ator público. O cidadão tem o direito de escolher representantes de vida pregressa retilínea. O candidato que desfila pelo Código Penal com sua biografia não pode ter a ousadia de se candidatar.
Ironias
Já na parte final do julgamento, os ministros que ainda faltavam proferir seus votos o fizeram de forma irônica. Defendendo sua posição de fazer valer a lei imediatamente, Ellen Gracie iniciou o voto reclamando da demora para decidir algo que já havia sido definido com o voto do ministro Luiz Fux, que derrubou, na prática, a validade da Ficha Limpa na eleição de 2010.
- Os que ocupam a parte final da mesa chegam à refeição quando o menu já está definido.
Marco Aurélio de Mello, que defendeu a aplicação apenas para 2012, foi ainda mais ácido em seus comentários.
- Quanta pressa em reparar o que há de ruim no país. Seria a panaceia, e viveríamos dias melhores nessa sofrida República.
O ministro justificou que não poderia dar outro voto senão um que seguisse a Constituição Federal. Para Marco Aurélio, não cabe a um ministro do Supremo seguir a pressão da sociedade, mas aplicar o que a lei determina.
- Esta Corte não tem como objetivo fazer relações públicas ou se guiar só pelas causas populares. É muito bom quando há convencimento do juiz e do clamor popular. Mas quando não há essa coincidência, a discussão vem à baila. Mas ocupamos um cargo vitalício justamente para não nos abalarmos com pressões. Há mais coragem em ser justo parecendo injusto do que ser injusto para salvaguardar as aparências da justiça.
Confusão jurídica
Com a decisão do Supremo, os candidatos que tomaram posse com base na lei da Ficha Limpa terão de abandonar os seus cargos. Isso vale para os casos dos senadores Wilson Santiago (PMDB-PB), que terá de ceder a vaga para Cássio Cunha Lima (PSDB-PB), Vicentinho Alves (PR-TO), que abrirá espaço para Marcelo Miranda (PMDB-TO) e Gilvam Borges (PMDB-AP), que terá de largar o Senado em favor de João Capiberibe (PSB-AP).
No entanto, para que essa reviravolta política possa ocorrer, o Supremo terá de ser provocado por recursos desses candidatos que se sentiram prejudicados. Ao final da sessão, os ministros acertaram que as decisões poderão ser feitas monocraticamente, ou seja, sem a necessidade de levar cada caso ao plenário para novos julgamentos. É a chamada repercussão geral. Há ainda 38 recursos a serem analisados pelo STF.
O caso envolvendo Jader Barbalho, no entanto, é o mais problemático. O candidato ao Senado pelo PMDB do Pará já teve seu recurso analisado pelo STF, em outubro do ano passado, e perdeu. Ele foi obrigado a aceitar a norma válida naquela época, editada pelo TSE (Tribunal Superior Eleitoral), que barrava a sua candidatura.
Os advogados do ex-senador adiantaram ao R7 que vão entrar com um recurso pleiteando a vaga, hoje ocupada pela senadora Marinor Brito (PSOL-PA). O argumento tem como base uma outra decisão tomada no final da sessão pelos ministros: o de que o TSE deve, formalmente, se desculpar pela confusão gerada nas eleições do ano passado.
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