Centro da polêmica que guia o segundo turno da eleição presidencial, a discussão sobre o aborto já esbarrou no passado tanto na petista Dilma Rousseff (PT) quanto no tucano José Serra (PSDB). Embora os dois lados tenham reforçado nos últimos dias o discurso religioso e as manifestações contrárias à legalização do procedimento, partidos ou governos integrados por eles já colocaram em pauta o abrandamento da lei que trata do tema.
A legalização do aborto no sentido de permitir que médicos e clínicas realizem abertamente o procedimento de acordo com a demanda não faz parte do posicionamento formal de nenhum dos dois partidos. O mesmo não vale, entretanto, para a descriminalização - no sentido de deixar de punir criminalmente mulheres que tenham realizado o procedimento - ou para o retirada de parte das restrições hoje existentes na lei.
Atualmente, a lei brasileira permite a realização do aborto por vítimas de estupro e mulheres que tenham a vida em risco em função da gravidez. Caso contrário, o procedimento é considerado crime, com pena prevista de 1 a 3 anos de detenção. A lei data de 1940 e está entre as mais restritivas do mundo. Nesta questão, o Brasil assemelha-se ao Haiti, Nigéria, Angola e Sudão.
No caso do PT, o apoio à descriminalização do aborto foi aprovado como diretriz do partido, no 3º Congresso da sigla, em 2007. O tema, entretanto, não era unanimidade na legenda. Alas ligadas a igrejas chegaram a propor uma resolução restringindo o debate sobre o assunto. Defendida por setores ligados ao movimento de mulheres, a descriminalização acabou sendo levada a votação e aprovada no Congresso, instância máxima da sigla, com poder de alterar o estatuto.
Dilma já declarou abertamente o apoio à descriminalização em mais de uma ocasião. “É um absurdo que não haja, até porque nós sabemos em que condições as mulheres recorrem ao aborto. Não as de classe média, mas as de classe mais pobres deste País. O fato de não ser regulamentado é uma questão de saúde pública. Não é uma questão de foro íntimo, não”, disse, em sabatina promovida pelo jornal Folha de S.Paulo, em 2007.
Direitos humanos
Do lado tucano, o assunto também apareceu no Programa Nacional de Direitos Humanos produzido sob o governo Fernando Henrique Cardoso (PSDB). O documento, de 2002, defendia, por exemplo, mudanças no Código Penal “referentes ao estupro, atentado violento ao pudor, posse sexual mediante fraude, atentado ao pudor mediante fraude e o alargamento dos permissivos para a prática do aborto legal”. Também defendia que o aborto fosse considerado tema de saúde pública.
Mais recentemente, o governo Lula também tratou do tema em sua própria versão do Programa Nacional de Direitos Humanos. Entre outros pontos defendidos pelo documento, idealizado pelo Ministério da Justiça, estava a recomendação para que o Legislativo adequasse o Código Penal para a descriminalização do ato e também que o aborto fosse considerado tema de saúde pública, com a garantia do acesso aos serviços de saúde. Recomendava também a implementação de mecanismos de monitoramento dos serviços de atendimento ao aborto legalmente autorizado e facilidade de acesso.
Serra, que já afirmou ser pessoalmente contra mudanças na lei, também já foi alvo de críticas de religiosos durante sua gestão no Ministério da Saúde, no governo FHC, por normatizar a realização do aborto em 1998. Até então, o aborto não era realizado em órgãos públicos nos casos previstos na lei. Serra também já foi criticado porque, em 2001, o ministério começou a distribuir com Estados e municípios a pílula do dia seguinte.
Em meio à polêmica que cerca o tema na eleição, o PSDB diz que somente a campanha tucana à Presidência pode falar a respeito do assunto. Nas propostas do candidato tucano, não há menção ao tema aborto.
Discurso
O tema do aborto ganhou força na reta final da campanha presidencial deste ano, após Dilma tornar-se alvo de críticas e boatos na internet em função de seu posicionamento sobre o assunto. A declarações da petista em favor da descriminalização chegaram a guiar fortes críticas lançadas por Mônica Serra, mulher do presidenciável tucano. Em Nova Iguçu (RJ), Mônica disse a um vendedor ambulante que a petista é "a favor de matar as criancinhas”.
A campanha de Dilma correu para montar uma operação para estancar os boatos sobre o tema, que ganharam a internet e foram apontados dentro da campanha como um dos motivos de a disputa presidencial ter sido levada ao segundo turno.
Eliminada da disputa no primeiro turno, a senadora Marina Silva, do PV, é pessoalmente contrária ao procedimento. Mas passou a campanha investindo no discurso de que, se eleita, convocaria um plebiscito sobre o assunto.
No entanto, o programa do PV faz referência direta ao tema ao afirmar que a “legalização da interrupção voluntária da gravidez com um esforço permanente para redução cada vez maior da sua prática através de uma campanha educativa de mulheres e homens para evitar a gravidez indesejada”.
Nenhum comentário:
Postar um comentário