quinta-feira, 23 de agosto de 2012

Queremos ser o país dos mensalões?

A mim pelo menos, causa incômodo perceber que, na melhor das hipóteses, a conclusão final do julgamento do mensalão será pela constatação do cometimento de um crime. Sim, porque essa é a tese da defesa: de que houve, sim, um crime, já prescrito, que foi o caixa 2 eleitoral, o uso de dinheiro não contabilizado nas campanhas eleitorais. Ou seja: se não há os vários crimes que constam da acusação do Ministério Público, há, na visão da própria defesa, o crime de caixa 2.

Antes que, dentro do tacanho maniqueísmo que acomete estes nossos tempos, eu seja já acusado de estar fazendo um ataque frontal ao PT, me adianto: o objetivo deste texto não será este. O incômodo será a constatação de que, se vingar essa hipótese, a sociedade brasileira já não se importaria mais de conviver com a ideia de que, dentro do sistema político-eleitoral brasileiro, se torna praticamente impossível obedecer às regras.

Têm toda razão aqueles que argumentam que a preocupação demonstrada pelo Supremo Tribunal Federal em conferir um rito para concluir o julgamento do mensalão do PT não é a mesma demonstrada com outros mensalões descobertos. Não há notícia de quando se vai julgar o mensalão do PSDB mineiro. Também não há explicação para o fato de, naquele caso, ter se aceitado o desmembramento, enviando os réus sem foro privilegiado para a Justiça comum, e no caso do mensalão do PT, não. Além do mensalão do PSDB em Minas, há outro, do DEM em Brasília, também ainda sem julgamento.

Seja somente crime eleitoral, seja caso mais grave de corrupção, o fato é que os três mensalões demonstram uma séria falha do sistema político brasileiro, sem que se vislumbre nenhuma vontade política de vê-la corrigida. Não dá para um país ter um sistema político que, na prática, para sobreviver, tenha que admitir o cometimento habitual de um crime.

O sistema político brasileiro atrai os partidos para a formação de coligações e alianças eleitorais que têm propósitos que passam longe da associação para a aplicação de um programa de governo em comum. Na melhor das hipóteses, as alianças são feitas visando os interesses políticos futuros de cada partido. Numa hipótese já danosa para o país, tratam do loteamento de cargos e recursos públicos só para a manutenção de projetos particulares de poder. Na pior das hipóteses, tratam de corrupção mesmo. É por isso que a democracia brasileira tem vivido num foco de escândalo permanente: não há governo que aconteça sem que surjam graves denúncias contra ele.

Em seu livro Alianças eleitorais – casamento com prazo de validade (Editora Elsevier, 2012), a editora da TV Câmara e também colunista do Congresso em Foco, Aline Machado, trata do fenômeno das coligações partidárias nas eleições brasileiras. O livro é a tese de doutorado de Aline na Florida International University.

Só para citar alguns números: Dilma Rousseff foi eleita coligada com dez partidos; Sergio Cabral (PMDB) foi eleito governador do Rio aliado a 16 partidos; Eduardo Campos (PSB) chegou ao governo de Pernambuco com 15 partidos, e Beto Richa (PSDB) elegeu-se no Paraná coligado a 14 partidos. Como se sabe, não há nenhum compromisso programático a justificar tais alianças.

Como mostra Aline, o que acontece é que o sistema torna tais alianças atraentes para todos os partidos. Os pequenos pelo fato de conseguirem, nas eleições proporcionais, serem puxados pelos partidos maiores: entram na coligação e conseguem eleger os seus a partir dos votos que são dados aos partidos maiores na aliança. E os maiores porque conseguem fechar compromissos dos partidos menores e das suas estruturas para as eleições futuras – por isso, desconfie daqueles que dizem que estas eleições municipais não têm nada a ver com o jogo que será jogado daqui a dois anos nas eleições nacionais.

Para os governos, é a forma encontrada para se obter tranquilidade política, a maioria congressual para aprovar seus projetos. Como não há um acerto em torno de programas ou metas de governo, a conquista dessa maioria é obtida a partir do atendimento aos interesses particulares de cada legenda. Ou ganham lotes na administração pública que comandam como bem quiserem, ou recebem verbas públicas para aplicar onde bem queiram, ou são literalmente comprados mesmo.

Nenhum dos casos é bom. Porque todos eles implicam dispersão de recursos públicos e energia que deveria estar canalizada para resolver os problemas nacionais, mas têm de ser despendidas para a manutenção desses acertos. E é claro que os partidos ficam o tempo todo criando dificuldade para vender facilidade. Porque eles precisam vender caro o apoio que emprestam. Dilma elegeu-se com o apoio de dez partidos e desde junho ficou sem conseguir aprovar nada na Câmara porque não libera emendas ao orçamento. Lula tinha também ampla maioria e viu o Senado derrubar a CPMF. E por aí vai. De vez em quando, é preciso que os partidos endureçam um pouco para conseguir aumentar o preço que cobram.

Eis aí o ponto mais preocupante. A punição dos crimes cometidos em nome da manutenção dessa situação é importante. Mas não dá para ficar só nisso, porque ou se vai tornar as coisas ainda mais confusas ou se vai apenas levar a uma sofisticação cada vez maior dos esquemas de desvio. Era necessária uma reforma que atacasse a origem desses problemas e os corrigissem. Mas quem está interessado nisso?
Rudolfo Lago é o editor-executivo do Congresso em Foco. Formado em Jornalismo pela Universidade de Brasília em 1986, atua como jornalista especializado em política desde 1987. Com passagens pelos principais jornais e revistas do país, foi editor de Política do jornal Correio Braziliense, editor-assistente da revista Veja e editor especial da revista IstoÉ, entre outras funções. Vencedor de quatro prêmios de jornalismo, incluindo o Prêmio Esso, em 2000, com equipe do Correio Braziliense, pela série de reportagens que resultou na cassação do senador Luiz Estevão.
Fonte: Congresso em Foco

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